Marmitex | Edição 247 | A crise é de imaginação?
“Imaginar é o primeiro ato de resistência.”
Esta é a 247ª edição do MARMITEX, publicado desde janeiro de 2020.
A cada duas semanas, compartilho dicas de filmes, séries, livros, artigos, fotografia, discos, podcasts e mais. Sem um tema fixo — o foco é no repertório compartilhado, transitando por uma variedade de assuntos.
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NESTA SEMANA
A gente se acostumou a tratar imaginação como algo quase ornamental. Um traço simpático da infância, uma habilidade útil pra quem trabalha com “criação” ou um luxo permitido em brainstorms. Mas e se, na verdade, a imaginação for a ferramenta mais séria e subversiva que temos pra lidar com um presente que já não dá conta do futuro?
O artigo central desta edição propõe justamente isso: resgatar a imaginação da sua versão pasteurizada — e recolocá-la no centro do debate cultural, político e econômico. Segundo o coletivo Practices of Change, imaginação não é o oposto da razão, nem o par romântico da criatividade publicitária. É uma forma de conhecimento, profundamente social, moldada por cultura, linguagem, memória, trauma, privilégio e exclusão.
Imaginamos a partir do lugar que ocupamos no mundo. E, por isso mesmo, há quem possa imaginar com liberdade — e há quem só consiga imaginar como resistência. O texto revela como essa capacidade vem sendo sistematicamente domesticada: nas escolas que chamam de “distraída” a criança que inventa demais; nas empresas que confundem criatividade com soft skill; no design que projeta futuros sempre limpos, otimizados e sem conflito.
Enquanto isso, os futuros que realmente interessam — os que carregam cuidado, fricção, ambiguidade, ancestralidade, corpo, território — são descartados como “impossíveis” ou “não viáveis”. Não por falta de valor, mas porque não cabem nas narrativas dominantes de escala, eficiência ou inovação calculável.
Reimaginar o futuro não é um exercício de ficção: é um ato de responsabilidade coletiva.
E esse texto é um lembrete poderoso disso. 📎 Leia aqui: Practical Imagination – Practices of Change
Se o texto central desta edição defende a imaginação como prática coletiva pra reinventar futuros, o novo TED do Tristan Harris mostra o que acontece quando a gente abdica disso.
A corrida da IA não é inevitável — ela só parece assim porque perdemos a coragem (ou a vontade) de imaginar alternativas.
Harris é direto: o problema não é só a tecnologia, mas o fetiche de dominância que nos impede de escolher outro caminho.
E quando a gente acredita que não tem saída, vira profecia autorrealizável.
Se a imaginação prática é uma responsabilidade coletiva, talvez ela comece escutando quem costuma ser ignorado nas decisões de futuro: as crianças.
Em fevereiro, o Alan Turing Institute organizou o Children’s AI Summit, reunindo 150 crianças e jovens do Reino Unido para discutir como a IA impacta suas vidas — e como elas gostariam que esse futuro fosse moldado.
O resultado é o Manifesto das Crianças para o Futuro da IA: direto, lúcido e político. Elas pedem ética, transparência, cuidado com o planeta e, principalmente, escuta.
Num mundo tomado por discursos de inevitabilidade, o manifesto é um lembrete: imaginar outro caminho não é ingenuidade — é o que nos resta de mais urgente.
E por falar em futuros possíveis — imaginar outro caminho é também escolher mudar. E mudar é difícil. Às vezes, impossível.
A Gama Revista publicou um ótimo artigo sobre por que temos tanto medo de mudar. Não fala sobre IA, nem design especulativo, nem inovação. Mas fala sobre aquilo que realmente trava qualquer revolução: a fricção entre intenção e hábito, entre o desejo de fazer diferente e a inércia emocional que nos segura.
Entre o impulso de imaginar e a força gravitacional da repetição.
O medo da mudança nem sempre grita. Às vezes, ele se disfarça de cansaço, de procrastinação, de “sem tempo agora”. Às vezes, ele se chama rotina — e o futuro morre de tédio.
Conexão também exige imaginação — especialmente quando estamos cansados dos mesmos formatos, das mesmas dinâmicas, das mesmas conversas.
Por isso, recomendo acompanhar o trabalho da Marcelle Xavier, do Instituto Amuta, que tem se dedicado ao que ela chama de design de conexões. Em sua newsletter mais recente, ela compartilha 15 ideias práticas para transformar encontros em experiências vivas, inesperadas, menos burocráticas e mais significativas.
Vale guardar e reler sempre que pintar uma reunião, um evento, uma roda, um curso — ou só a vontade de trocar com mais presença.
📎 15 ideias para transformar seus encontros – por Marcelle Xavier
Tem conversa que a gente escuta e pensa: era isso. Era isso que eu precisava ouvir agora.
No episódio 8 do Bucket List, Francisco Bosco e Gustavo Ziller constroem um diálogo raro: honesto, denso, cheio de referências e ao mesmo tempo acessível. Sem pose. Sem pressa. Uma troca que faz pensar sobre o que realmente importa — e sobre tudo que a gente evita pensar.
Não tem hype, mas tem profundidade. E isso já é muita coisa hoje.
Sou fã do processo criativo e do trabalho do Tiago, da Tira do Papel. No vídeo abaixo, ele compartilha um pouco da sua jornada e dos aprendizados ao longo do caminho — alguém pensando em voz alta sobre como transformar ideias em prática.
Pra fechar, deixo aqui 5 livros que li e gosto muito sobre imaginação e processo criativo — cada um vindo de um canto diferente da vida: literatura, design, música, negócios e educação. Em alguns casos os títulos são meio cafonas, mas aí já é briga com a editora, não comigo. Todos me ajudaram em determinado momento da carreira.
📘 Sobre a Escrita, de Stephen King - Parte autobiografia, parte manual prático, é um dos livros mais generosos já escritos sobre o ofício de escrever. King compartilha técnica, memórias e pancadas da vida sem glamourizar nada — e talvez por isso seja tão bom.
📙 Roube como um artista, de Austin Kleon - Simples, direto, funcional. Um livrinho que parece óbvio (e é), mas que acerta justamente por isso. Ideal pra quando a gente trava e esquece que criatividade também é recombinar, colar, copiar com intenção.
📕 O Ato Criativo, de Rick Rubin - Meu produtor musical favorito — e um dos cérebros por trás de discos que mudaram a história da música — fala sobre criação com uma calma quase zen. Não tem fórmula, mas tem sabedoria. E silêncio. Muito silêncio.
📗 Confiança Criativa, de Tom e David Kelley - Os fundadores da IDEO mostram como aplicar o pensamento criativo ao design de produtos, serviços e experiências. Trazem método, mas também provocação: confiar na própria criatividade é menos sobre talento e mais sobre prática.
📓 Libertando o Poder Criativo, de Ken Robinson - Um clássico sobre educação, trabalho e o apagamento da criatividade nas estruturas que (supostamente) deveriam estimulá-la. Robinson defende que o resgate do potencial criativo é urgente — nas escolas, nas empresas e na vida.
PRA ACOMPANHAR:
O Marmitex agora tem duas playlists: uma com as favoritas de 2024 e outra com os sons que já marcaram 2025 até aqui. Atualizo toda semana com novidades. Siga, compartilhe — e, se quiser, manda sua recomendação também.
A lista de discos / álbuns favoritos, lançados em 2023, para que você concorde, discorde, descubra, curta ou ignore.
Se você não viu, vou deixar o link fixo com as minhas recomendações favoritas de 2021 e de 2022.
“A função da imaginação não é escapar da realidade, mas esticá-la até que ela nos caiba.” — Toni Morrison (parafraseada a partir de suas falas)
Que edição ótima! Acendeu uma luz no meu túnel! 🌻
que honra aparecer aqui \o/