Marmitex | Edição 246 | Quem não suporta o desconforto, lidera para trás (não para frente).
Perspectivas incômodas, um combustível secreto.
Esta é a 246ª edição do MARMITEX, publicado desde janeiro de 2020.
A cada duas semanas, compartilho dicas de filmes, séries, livros, artigos, fotografia, discos, podcasts e mais. Sem um tema fixo, o foco é no repertório compartilhado, transitando por uma variedade de assuntos.
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As palavras destacadas em roxo (ou negrito) são links clicáveis.
NESTA SEMANA
Nesta edição, partimos de uma provocação essencial: e se aquilo que você evita ouvir fosse justamente a chave da decisão que mais importa?
Em parceria com Patricia Cotton, escrevemos para o MIT Sloan Management Review Brasil sobre a importância — ou melhor, a urgência — de acolher perspectivas incômodas como parte viva da estratégia. Em um ambiente saturado de certezas, onde líderes se cercam de espelhos que apenas reforçam suas convicções, cultivar o desconforto deixou de ser uma excentricidade e se tornou uma questão de sobrevivência.
A cultura corporativa, no entanto, continua confundindo alinhamento com inteligência e repetição com competência. As câmaras de eco que isolam lideranças em suas próprias narrativas são alimentadas não apenas pela pressa, mas também pelo medo: medo de errar, de divergir, de parecer vulnerável. E assim, decisões vitais acabam tomadas não pela força das ideias, mas pela inércia dos consensos — tão rápidos quanto superficiais.
Fugir dessa armadilha exige mais do que slogans sobre diversidade: pede a coragem real de sustentar debates genuínos, de permitir que o imprevisível tenha espaço antes que a eficiência o esmague. Exige também uma vigilância permanente contra a tentação de terceirizar o pensamento para frameworks prontos ou para tendências vendidas como verdades absolutas. Porque, no fim, o mercado pune mais severamente a irrelevância do que o erro.
A solidão do poder, tantas vezes romantizada, é um fato — mas ela não precisa ser um cárcere. Buscar olhares externos sem amarras, capazes de atravessar a névoa das hierarquias, é talvez um dos poucos movimentos de sanidade em meio à velocidade ensurdecedora que domina o ambiente executivo. Não se trata de modismo, mas de uma prática radical de sobrevivência intelectual.
Nesta edição, o convite é claro: se a sua liderança não suporta o desconforto, talvez ela esteja apenas administrando o passado — e não construindo o futuro.
Cercar-se de quem fala a mesma língua é confortável — mas também pode ser o primeiro passo para ficar limitado ao pensamento de manada. Na Fast Company, escrevi sobre como comunidades podem ser fontes de potência ou armadilhas silenciosas. A diferença? Está na capacidade de combinar profundidade com diversidade, especialização com curiosidade transversal. Quem se acomoda, se fecha. Quem se expande, cresce. O artigo está no ar para quem quiser sair um pouco do “prédio” e olhar além das paredes conhecidas. (PT)
Politica nas organizações:
Vivemos em um sistema que não apenas tolera as bolhas — ele depende delas. A fragmentação da realidade virou modelo de negócios, e o isolamento em zonas de conforto ideológico é produto vendido em escala global. As plataformas não são apenas palco do debate público: elas redesenharam as condições do debate, favorecendo o que polariza, o que radicaliza, o que prende. Como Carole Cadwalladr expõe de forma cortante, a erosão do consenso social não é uma consequência colateral — é parte do motor que move essa nova arquitetura de poder. Entender isso é o primeiro passo para resistir.
Além da discussão sobre bolhas e manipulação informacional, há um ponto que merece atenção: a crescente banalização do conhecimento e a perda de rigor na forma como lidamos com a ciência. No episódio do Braincast que indicamos aqui, o convite é simples, mas necessário: olhar com mais cuidado para aquilo que consumimos como “fato científico”. Nem todo estudo publicado é confiável, nem toda manchete traduz a complexidade dos dados. Como diz Altay de Souza, “estudar é o jeito mais difícil de ser pobre” — e, num mundo em que simplificações se espalham rápido, cultivar a curiosidade e a dúvida continua sendo um dos caminhos mais consistentes para pensar melhor sobre o que nos cerca.
Ainda nessa linha de explorar a tensão entre conhecimento, percepção e narrativas, vale a recomendação: A Complete Unknown, filme sobre Bob Dylan disponível no Disney+, revela um Dylan ambíguo, genial e eternamente deslocado. Mais do que uma cinebiografia, o filme mostra como resistir às pressões de ser interpretado de forma fácil ou encaixado em rótulos também é uma forma radical de manter a integridade criativa. Um lembrete de que, muitas vezes, a profundidade está justamente na recusa de ser óbvio.
Para fechar esta edição, recomendo uma escuta sem pressa: Adam Grant conversa com Megan Rapinoe e Sue Bird — duas atletas que carregaram, ao mesmo tempo, o peso e a contradição de desafiar o status quo de dentro do sistema. Não há romantização aqui: há o cansaço, o deslocamento, a reinvenção silenciosa que começa quando as certezas desmoronam. Falam sobre esportes, sim. Mas, como toda boa conversa, terminam falando de poder, identidade e da estranha solidão de quem escolhe não caber no molde.
PRA ACOMPANHAR:
O Marmitex agora tem duas playlists para acompanhar o ritmo do ano: uma com as favoritas de 2024 e outra já com os sons que marcaram 2025 até aqui. Vamos ver até quando vai? Fica como registro histórico também ;)
A lista de discos / álbuns favoritos, lançados em 2023, para que você concorde, discorde, descubra, curta ou ignore.
Se você não viu, vou deixar o link fixo com as minhas recomendações favoritas de 2021 e de 2022.
“O problema dos nossos tempos não é que existam muitas opiniões, mas que existam poucas ideias.” Paul Valéry